Kombi do Mal

Salvador, centro da cidade, o dia amanhece e já se pode ouvir o motor da velha kombi subindo a ladeira. Normalmente, ouviríamos pelo alto falante estridente a oferta de ovos graúdos, mas estranhamente outras palavras chegam aos ouvidos: Wi-Fi não satisfaz; Cuidado para não adultecer; Levante, o sistema caiu. O locutor avisa: isso não é uma ordem, é uma desordem. É a “Kombi do Mal”, uma mistura da Lambes do Mal com o carro do ovo, propondo desvios para “cidadãos de bem”. Por onde passa, em sua desacelerada deriva, ficam frases com defeito, nos postes, nos muros e mentes, panfletos, lambes e ideias. A voz ressoa novamente: siga-nos, estamos perdidos. Contra o fascismo, o pensamento rasteiro, a padronização das pessoas e espaços, a automatização do cotidiano e a rispidez do capital, propagam-se a palavra, a poesia e o direito de se perder por aí.

A Lambes do Mal foi a primeira ação curada para o IC14, tanto para dialogar com a identidade visual do festival, que utiliza uma arte especialmente criada para o evento, como com esta proposição de configuração de obra inédita, numa coprodução entre ambos.

QUEM É
A Lambes do Mal é um decompositor de palavras que busca a interrupção do automatismo cotidiano, a criação de brechas para a experiência e a reconexão com o espaço público. Desde 2015, na cidade de Salvador, as pessoas são surpreendidas por frases que subvertem a lógica cotidiana propondo outras trilhas para o pensar. Coladas nos muros, postes e viadutos da cidade, utilizando o formato lambe-lambe, as frases da Lambes do Mal já fazem parte da paisagem urbana da capital baiana e de outras cidades brasileiras. As palavras quebradas, separadas, desmembradas, dificultam uma leitura imediata, criando armadilhas semióticas, labirintos gramaticais, que capturam o leitor antes mesmo da compreensão da mensagem. Hoje, as frases que surgiram nas ruas alcançaram as redes sociais, onde são acompanhadas por mais de 24 mil seguidores.